Campus da UEM -Maputo |
Quando resolvi fazer o Mestrado em História da África,
fiquei muito surpresa com as perguntas das pessoas, sejam aquelas que me foram
feitas no Brasil, sejam as que me foram feitas aqui em Portugal.
Os questionamentos partiam de pessoas dos mais diversos graus
de conhecimento; desde colegas do curso de Licenciatura em História, de colegas
de profissão (Juízes e advogados), estudantes de diversos níveis de
escolaridade, profissionais liberais, enfim, muitas observações de uma
diversidade imensa de questionadores.
Alguns, os mais letrados, dentre estes até mesmo o meu
companheiro (advogados, juízes, conselheiros de tribunais (ainda há no Brasil e
igualmente em Portugal, tal cargo) cujos membros gozam das mesmas prerrogativas
dos juízes togados, membros do poder Judiciário, perguntavam-me para que eu
queria saber dos africanos, jocosamente falando dos negros como se, ainda,
estivéssemos em pleno século XVIII, quando os “pretos” eram tratados como seres
inferiores, parentes mais próximos dos homens depois do macaco. Cansei de ouvir
críticas a minha opção de estudar a África. Alguns chegaram a perguntar se eu
queria saber como os africanos aprenderam a comer banana, ou como eles faziam
para ficar com as palmas das mãos brancas e dentes, quando e se os tem, também brancos,
aliás, uma das características dos negros que conheço, e que são muitos, que
vivem na Bahia, em especial, e no Brasil em geral.
Uns, menos agressivos, perguntavam-me sobre quais vantagens
teria em saber coisas da África. Isto me daria algum retorno financeiro? Sim,
porque a grande maioria das pessoas só faz algo se tiver algum retorno, ainda
que ele não seja financeiro, mas alguma contra prestação deve haver a um
comportamento dirigido a algo ou a outrem; é a história do dou para receber,
como se esta máxima pudesse ser aplicada ao conhecimento cientifico, embora
saiba eu hoje, que mesmo neste campo, em que dependemos de muitas pessoas nos
arquivos, nas bibliotecas, nos museus, enfim, nos locais onde procuramos nossas
fontes, o dar para receber é de uma importância brutal, tanto que uma pessoa
que tenha poucos recursos, seja monetário, seja os relacionados com a
aparência, quero dizer, o estar bem vestido, o ser bonito ou feio, o ser branco
ou preto, até mesmo o ser europeu ou não, pode não receber tanto quanto outros,
e já começo, realmente e, lamentavelmente, a entrar no assunto que me levou a
escrever, a boa aparência, que ainda hoje está ligada ao cromo, à cor.
Lembremos que todas as cópias que tiramos custa, nas faculdades, através das
maquinetas que fornecem cartões e alimentam os nossos sonhos de investigadores,
no meu caso completamente patrocinada pelos meus parcos recursos de uma
aposentada brasileira, 0,10€ e em outros arquivos, a exemplo da Biblioteca da
Assembléia da República, 0,15€.
Os meus sobrinhos, cujas idades variam de 2 aos 24 anos,
faziam-me as mais disparatadas questões, embora todos estudantes, alguns já com
diplomas universitários, com a ignorância assustadora que nós brasileiros temos
das coisas da África.Aliás, agora estamos tentando, através de uma legislação
que, oxalá, seja efetivamente eficaz, quero dizer aplicada mesmo, que
todos os currículos escolares tenham, como disciplina obrigatória, História da
África, um resgate tardio, mas de louvável iniciativa. Um deles perguntou-me o
que eu queria saber da África? Qual o meu interesse em aprender coisas sobre
negros? Por que eu tinha de ir a Portugal para fazer este tipo de estudo, se na
Bahia o que menos falta é negro. Continuando, disse-me ele, que se eu quisesse
poderia, caso saísse viva e ainda na posse do meu computador, livros, cadernos,
enfim, toda a parafernália que temos de utilizar nos nossos estudos, ele
poderia ir comigo ao Curuzú, ou em qualquer outro bairro de periferia de
Salvador, e analisar o comportamento dos negros, dizia ele que não sabia bem
para que, porque negro é negro em qualquer lugar do mundo.
Em Lisboa, logo que cheguei, as perguntas eram variadas.
Por que eu vinha fazer o mestrado aqui em Lisboa, quando poderia fazê-lo
no Brasil, com tantos negros? Outros perguntavam-me o que eu
lucrava com este estudo sobre os “pretos”, palavra que me soa muito pior
de que o ‘’negro” utilizada no Brasil para identificar as pessoas de cor
não branca, e que derrama sobre mim uma série de preconceitos e pré conceitos
vivos, atuais, jocosos, raciais.
Praça do Rossio-Lisboa-Pt |
Um português da Covilhã me disse que se eu queria estudar
os “pretos” poderia eu ficar no Rossio, no final da tarde, onde teria uma
verdadeira África e não precisaria estudar tanto e nem ir ter à África, como
gostaria e efetivamente fui (Moçambique), embora alertando-me para o fato
de que talvez não saísse dali com a minha carteira de cédulas.
Em um círculo um pouco mais fino, quero dizer, um pouco
mais educado, é assim que os portugueses de uma classe média, como eles se
acham, formada por técnicos especializados, que têm de ir ao Algarve no verão
para manterem o “status quo” de civilizados e pertencentes a uma elite que eles
pensam existir, disseram-me, após algumas argumentações a respeito de uma
pessoa como eu, Juíza do Trabalho no Brasil, estar a estudar a altura, isto já
fazendo uma alusão à minha própria idade e à minha completa, para alguns,
formação, que seria eu, mais uma, a falar mal dos portugueses. O engraçado,
desta colocação é que partiu de uma pessoa nascida em Moçambique, embora
portuguesa, filho de portugueses que estavam fora de Portugal a serviço
da Pátria, nas tropas que lutavam para que o território africano não fosse
perdido, antes de 1974.
Que noções tem todas estas pessoas a que me referi sobre o
que é a África? Quem são os culpados de tanta ignorância em relação a este
Continente, que para alguns resume-se ao Egito, Marrocos, Rio Nilo, e para
outros, como uma portuguesa que conheço e que trabalha em um grande grupo
franco-espanhol aqui instalado, que se orgulha de ter
tirado o décimo segundo ano e de, na pratica, ser melhor de que muitos que
freqüentam as universidades, do que, em relação algumas pessoas, não tenha a
menor dúvida, que a África não é onde fica o Egito, que este país ficava
na Ásia, até o dia da nossa conversa e como entender que tentar reproduzir os
acontecimentos históricos através das fontes existentes, aproximar-se o mais
possível do real é falar mal seja lá de quem for.
É assustadora a ignorância de muitos sobre a África e da
sua importância, seja para portugueses, seja para brasileiros, seja para os
próprios africanos.
AHM-Maputo |
Não desisti do Mestrado, já obtive o grau de Mestre e o de
Doutora em História na especialidade História da África, hoje, conheço um pouco
mais da África lusófona, conhecimento insuficiente, bem sei, mas que já me
permite identificar ao menos a África lusófona como ela deve ser identificada:
Angola, São Thomé, Cabo Verde, Moçambique, Guiné Bissau e não só esta, como
também um pouco da que foi colonizada por franceses, ingleses, belgas,
espanhóis, alemães. Conhecimento que também me faz entender porque, em
Moçambique, o Governo volta a utilizar as autoridades tradicionais (gentílicas)
como um elo de ligação entre ele, Estado, e o povo, valorizando a cultura
tradicional, que nenhum colonizador, e nem a política pós colonial
conseguiu apagar ou afastar.
Isto é real, não é uma ficção e só demonstra a necessidade
de uma revisão do ensino da África no Brasil e no mundo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário