sexta-feira, 21 de junho de 2013

Punição das Infrações no Regulamento do Trabalho Indígena de 1899

           Em 1899, ainda sob a influência de Ennes, que o elaborou juntamente com uma comissão, é promulgado o Regulamento do Trabalho Indígena, cuja finalidade, de acordo com o relatório de introdução era:

[...] regular devidamente, no interesse da civilisação e do progresso, as condições de trabalho do indígena, de modo a assegurar-lhes, com efficaz proteção e tutela, um proporcional e gradual desenvolvimento moral e intellectual, que os torne cooperadores úteis de uma exploração mais ampla e intensa da terra, de que essencialmente depende o augmento da nossa riqueza colonial. [1]

         A regularização do trabalho indígena criou a obrigação moral e legal do trabalho, e todo aquele que não estivesse, isento pela lei, Art. 3º do regulamento, podia ser obrigado a cumprir esta obrigação, também pelos meios nela estabelecidos.
          O cumprimento podia ser voluntário ou compelido; voluntário quando o indígena contratava os seus serviços voluntariamente, com ou sem a interferência da autoridade competente, no caso e pela lei, o Curador de serviçais e colonos e seus delegados. Quando os contratos eram feitos com a interferência desta autoridade, ela era a competente para julgar e punir as infrações cometidas, seja por serviçais, seja pelos patrões, Art. 20º. Quando esta não participava da contratação, as partes deveriam procurar defender os seus interesses junto às autoridades competentes para conhecer dos conflitos gerais de direito civil.[2]
           A lei fixava o período máximo da contratação – 5 anos – e cláusulas que deveriam constar nos contratos por ela regulados, fixando as obrigações de patrões e serviçais, bem como o que era considerado infração.
           A obrigação do trabalho também podia ser realizada na forma estabelecida nos Arts. 5º à 11º através do que o Estado denominou de colonatos, sendo os indígenas considerados como colonos do Estado.[3]
           No Art. 20º, o regulamento fixa a competência do Curador e seus delegados para o julgamento das causas, esclarecendo que esta competência será exercida através de processo sumario, “cujos termos serão regulados.”
            As penas estabelecidas nos Regulamentos deveriam ser aplicadas pelos Curadores dos serviçais e colonos e seus delegados, mas o regulamento traz os casos em que, não só estes, mas como outras autoridades têm de intervir; por exemplo, os curadores e seus delegados julgavam, sumariamente, quaisquer faltas que contrariassem os dispositivos do regulamento, ou seja: faltas que poderiam ser consideradas trabalhistas, art. 20º. Deste julgamento, poderia haver recurso para o Governador em Conselho.
           Se as faltas cometidas não estivessem inseridas no Regulamento, art. 20º, tanto as cometidas por empregados, quanto pelos patrões, as questões seriam encaminhadas para o Juiz ordinário[4].
            Também era da competência do Curador e de seus delegados o julgamento dos casos do art. 33º: desobediência à intimação e resistência à ação compulsória, além da evasão do indígena, oportunidade em que poderiam aplicar a pena correcional de até 300 dias, art.53º, admitindo-se, também, a possibilidade de recurso para o governador em conselho[5].
            O processo sumário, entretanto, não foi regulado, e, tampouco, o julgamento das causas ficou na exclusividade do Curador e de seus agentes, que eram, em algumas circunscrições, substituídas pelo administrador, aliás, o próprio regulamento já autorizava o julgamento e a aplicação das respectivas penalidades pelos juízes ordinários, pelos juízos municipais e pelos curadores e seus delegados, Art. 50º, lembrando que, na inexistência dos juízes municipais, as suas atribuições eram exercidas pelo administrador da circunscrição.
           Este regulamento criou o trabalho compelido, que consistia em obrigar o indígena que se recusasse, voluntariamente, a cumprir a obrigação moral e legal do trabalho, a fazê-lo. Se houvesse resistência no cumprimento da obrigação, ou se o indígena compelido se evadisse, seria condenado a trabalho correcional.[6]  
         Esta condenação em trabalho correcional derivava do fato de que, o regulamento considerava a evasão, a recusa ao trabalho, o abandono do trabalho como “vadiagem” aplicando-se as penas estabelecidas na lei, ou seja; o trabalho correcional. A pena de trabalho correcional não pode ser confundida com a de trabalhos públicos, que somente pode ser aplicada por Juízes de direito e através de sentença penal, embora, como veremos no decorrer deste trabalho, as infrações cometidas por indígenas, seja no campo do direito civil, seja no do direito fiscal, seja no do direito administrativo, todas eram transformadas em ilícitos penais, para efeito da aplicação da pena de trabalho correcional.




[1] D.G. nº 262 de 18.11.1899. Decreto de 09 de novembro de 1899
[2] Idem, Arts 15º 16º,17º, 19º,21º,24º, 41º-43º.
[3] Ibidem.
[4] Ibidem, Idem.
[5] Ibid.
[6] Ibid., Arts. 31º,32º, 33º

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